O primeiro é uma rede de lavandarias self service. O segundo, uma plataforma de fornecimento de serviços, denominada Alfredo, que promete ligar os profissionais que procuram oportunidades aos clientes que procuram prestadores de serviços de qualidade.
O Empreendedor.com falou com Carlos Laranjo Medeiros e Mário Barroqueiro, que apoiaram a Cáritas Portuguesa no desenvolvimento deste projeto, para ficar a conhecer melhor a iniciativa que convida os desempregados a ‘tirar o nó da cabeça e pôr o nó na gravata’.
Porque é que a Cáritas Portuguesa se está a dedicar ao franchising social?nCarlos Laranjo Medeiros: A Cáritas teve uma das iniciativas mais bem sucedidas do mundo sobre empreendedorismo, que foi entre 1978 e 1983 mais ou menos, em que, com o apoio primeiro da Cáritas americana e depois da Cáritas austríaca, arranjou um fundo para apoiar a criação de negócios de retornados, de pessoas das ex-colónias. Emprestavam um xis e eles depois tinham 5 anos para pagar. E isso levou à criação de mais de 1000 empresas pelo país inteiro e mais de 10 000 postos de trabalho, e teve mais de 95% de retorno do dinheiro emprestado.
Nesse tempo havia o tal capital inicial para emprestar. Aqui a Cáritas não teve nada. Isso prejudicou a criação de algumas empresas. Andámos a falar de ministro em ministro, de promessa em promessa, e acho que ainda estamos à espera.
Tiveram de remodelar a ideia?nCarlos Laranjo Medeiros: Não, nunca se remodelou. A única coisa foi que não teve a dinâmica que teria tido se tivesse esse apoio porque é muito difícil. Há uma incompreensão, na minha opinião de quem tem o poder, de perceber o que são microempresas, o trabalho por conta própria. Fazem exigências de tal maneira fortes, que a única possibilidade que têm é continuar na economia paralela. nPorque quando pedem toda a burocracia, todos os custos com a segurança social, todos os custos de criação das empresas, são incomportáveis para as muito pequenas empresas ou de trabalho por conta própria. Isto é uma falta de sensibilidade de quem gere a economia.
Quem gere a economia nunca teve sensibilidade para o muito pequeno negócio. Depois, não há nenhum ministro que queira ser merceeiro, o que querem é ir para administradores da PT ou do BES (…). Claro que é complicado que apoiem estes pequenos empresários. Tentámos ultrapassar a falta de dinheiro com o crowdfunding, que é muito complicado porque não há tradição em Portugal. Por outro lado, as pessoas estão muito castigadas, como há muitas necessidades, pelas pessoas sempre a pedirem. Não estou a dizer que o sucesso é nulo, uma das empresas (Geolife) arranjou os 3.000 euros necessários. Mas é difícil.nO microcrédito surge para tentar ultrapassar isso. E recentemente surge o Alfredo e as lavandarias, porque aí não é necessário capital inicial. Agora, tínhamos muito mais ideias…
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nQuais são as principais diferenças desta iniciativa relativamente ao franchising tradicional?n Ao contrário do franchising tradicional, não está previsto neste caso que o empreendedor pague os tradicionais roaylties, mas está previsto que o empreendedor possa ter de ajudar a suportar o custo do investimento inicial. Porque senão também podemos cair naquela situação em que se não tem custos não se valoriza, se não se valoriza não se empenha, se não se empenha o sucesso é mais difícil. Por exemplo, no caso das lavandarias self service o custo inicial só com os equipamentos poderá ir entre os 20 e 25 mil euros (números ainda a ser trabalhados) e apesar de o empreendedor não precisar de o desembolsar à partida, poderá ter de conseguir 5 a 7 mil euros, que não tem que ter – podemos seja através do microcrédito ou de outra forma ajudar o empreendedor a angariar essa verba – mas que assuma que é um risco e um investimento dele.
Carlos Laranjo Medeiros: Enquanto o Alfredo é uma plataforma e não há grande investimento, nas lavandarias sociais – se forem para a frente – a ideia é que a lavandaria possa ser reproduzida, ou seja, se arranjarmos o que investimos, pode-se fazer uma segunda, e depois uma terceira. Isto é uma ligação entre a Caritas, a CASES e a Fundação Mais, que todos juntos investem esse dinheiro. Mas investem para uma. A ideia é que eles (os empreendedores) vão pagando alguma coisa de forma a se poder produzir outras, pagando sempre muito menos do que pagariam a um masterfranchising. Sempre com condições altamente vantajosas.
Mas então poderá haver um royalty?nCarlos Laranjo Medeiros: Não, não será um royalty, mas alguma espécie de pagamento. Mas de todas, mesmo no Alfredo, porque a estrutura de apoio tem de ser paga. Há uma percentagem que tem de ficar para os custos.
Mário Barroqueiro: Um royalty é o lucro do masterfranchiser. Aqui essa verba que o empreendedor terá de despender não é dinheiro líquido que vai para o bolso do mastefranchisier, mas dinheiro para pagar o investimento do seu próprio negócio.
Ou os custos da estrutura, como no caso do Alfredo. No caso das lavandarias não há custo de estrutura, mas no Alfredo há. Tem de haver um call center e muitas outras coisas.
Mas nas lavandarias há o espaço, não é?nCarlos Laranjo Medeiros: O espaço estamos a negociá-lo com as juntas de freguesia a um preço muito baixo.
E os equipamentos?nCarlos Laranjo Medeiros: A Miele fez um desconto.
Como vai funcionar o Alfredo?nCarlos Laranjo Medeiros: A ideia foi esta: um motorista sem carro só precisa de carta de condução. Tem de ser uma pessoa da confiança da Cáritas e que o Automóvel Clube de Portugal afirme que tem competências técnicas para conduzir. Não precisará de um investimento inicial como precisará se quiser iniciar o seu pequeno negócio. Por um lado ultrapassa-se este inconveniente e por outro lado exige menos capacidade de gestão, é mais fácil. Uma pessoa que vai tratar de um jardim ou acompanhar cães não tem de saber gerir um negócio.
Então quem é que faz a gestão do negócio? nNo caso do Alfredo o que é replicável é o conceito e os franchisados são os Alfredos. Eles não têm de ter uma estrutura física, uma loja à qual as pessoas se dirigem. O espaço que junta o prestador de serviço Alfredo ao potencial cliente é a plataforma que faz ela própria a gestão.
Há possibilidade de os ‘Alfredos’ se pré-registarem. Depois desse pré-registo o ACP confirma alguns requisitos, a Cáritas confirma a idoneidade da pessoa e a equipa técnica confirma outros requisitos conforme os serviços que as pessoa se propõe prestar. Por outro lado as pessoas que pretendem requisitar serviços também se registam dizendo que moram na zona tal, as necessidades que têm, e a equipa em backoffice aloca ‘Alfredos’ aos clientes. A plataforma também tem um sistema de pagamento online. Portanto a plataforma autogere-se, apesar de ter este backoffice de apoio.
Mas quem é que gere a plataforma?nMário Barroqueiro: É a equipa do projeto que por enquanto estará centrada aqui na IPI (IPI Consulting Network) e a partir do momento em que o projeto esteja em velocidade de cruzeiro e não precise da nossa intervenção, serão os técnicos da Cáritas Portuguesa, enquanto promotores do projeto, que assegurarão essa gestão, com a parceria da ACP em função da adesão.
Podemos chegar ao fim de 2 ou 3 meses com dezenas de Alfredos e centenas de clientes, ou podemos não ter ninguém. A própria dinâmica que a plataforma conseguir atrair, assim forçará a dimensão da equipa de gestão.
A plataforma já existe?nMário Barroqueiro: Não, existe o protótipo, mas ainda não está online para ser acessível ao público em geral.
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nQuais são os vossos comentários à questão de que o empreendedorismo está a ser usado para levantar falsas esperanças às pessoas?nCarlos Laranjo Medeiros: Se quisessem que o empreendedorismo pudesse ser uma resposta, a primeira coisa que deviam fazer era alterar a estrutura burocrática, fiscal, de segurança social de quem quer começar a ser empreendedor. As exigências que fazem não são nada facilitadoras.
A segunda questão é que o empresário em Portugal genericamente não é uma pessoa acarinhada. Foi sempre muito maltratado. Até há muito pouco tempo os empresários se fossem à falência não tinham direito a subsídio de desemprego. Imagine que eu e o meu colega abríamos um negócio. Mas o Mário é que ficava o dono. Trabalhávamos 40 anos ao fim dos quais a empresa falia. Eu tinha subsídio de desemprego. Mas o Mário, que se calhar tinha lá posto a casa dele como garantia (normalmente os pequenos empresários quando as coisas correm mal metem todos os seus bens como garantia) ficava sem direitos nenhuns.
Depois, tem de se dizer uma coisa: o empresário precisa acima de tudo de ter capacidade de trabalhar sem horas, levando o emprego para casa, etc. Os empresários que tiveram sucesso foram acima de tudo persistente e muito trabalhadores. E portanto pensar que ser empresário é ter um bom carro e uma boa cas e viver bem – não quer dizer que não lhe dê também recompensas – mas é efetivamente uma vida pesada. Eu digo isto porque sou neto e filho de pequenos empresários e sei bem qual era a vida do meu avô e do meu pai (…).
Nenhum dos empregados do meu pai ia trabalhar ao fim de semana, não estavam para isso. No dia em que eu vendi a loja aos empregados (…) os empregados já abriram ao domingo. Isto é uma prova do que significa ser empresário.nNós aqui explicamos sempre que se eles estão a pensar que isto é estar de barriga para o ar sem trabalhar estão enganados. Ser empresário é trabalhar muitas horas. E têm que ter muita persistência, senão as coisas não funcionam.
Mário Barroqueiro: De facto falar de empreendedorismo está na moda (…) e é importante filtrar a informação. Iniciativas como a vossa (Empreendedor.com) ou o projeto Cria(c)tividade distinguem o que é atirar para o ar meia dúzia de chavões ou tentar fazer alguma coisa de diferente.
Carlos Laranjo Medeiros: Nos anos 90 a Comissão Europeia dizia que Portugal era o segundo país onde os alunos de 12.º ano queriam ser empresários. Há dois anos Portugal era o segundo país onde menos alunos queriam ser empresários. Passou da segunda melhor prestação para a penúltima, o que significa que essa atração pelo empreendedorismo não mudou isso. Há ainda um certo mito em volta da ‘startup’, que as pessoas não identificam com ser empresário. As pessoas hoje estão muito menos entusiasmadas.
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nDe resto, mesmo aqui no projeto não é um caso nem dois de pessoas que tinham um negócio quase a começar, entretanto tiveram uma oferta de emprego e desistiram imediatamente do negócio. Neste caso o ser empresário, mais que uma escolha, é a única oportunidade. Mas pelo menos este projeto tem a vantagem, a honestidade, de mostrar as dificuldades do que é ser empresário.
De resto, o empreendedorismo é apresentado, na minha opinião, de uma forma completamente errada, porque é apresentado como uma contrapartida do desemprego. Há desemprego, tornem-se empreendedores. Não! Tornem-se empreendedores mesmo que haja emprego!
O Projecto Cria(c)tividade disponibiliza no seu website um guia de boas práticas para o franchising social com casos que podem ser consultados; bem como um guia metodológico e a ficha de adesão que deve preencher se se quiser candidatar.