Contabilidade, uma profissão nos dias de hoje maioritariamente de mulheres, mas pensada para homens.
Segundo dados divulgados pela Ordem dos Contabilistas Certificados em 2020, cerca de 53,6% dos Contabilistas registados na Ordem são mulheres. No entanto, quem vive o dia-a-dia desta profissão, facilmente percebe que a mesma foi pensada seguindo uma lógica masculina e que ainda faltam alguns passos para a devida inclusão das mulheres.
Depois do 25 de abril, em 1974, as mulheres conquistaram direitos que até então lhes tinham sido negados e que são hoje dados como garantidos para as gerações mais novas: além do direito de voto, acesso a algumas profissões, igualdade de direitos e deveres quando à capacidade civil e política e reconhecimento da maternidade, as mulheres conquistaram também o direito à igualdade de oportunidades no trabalho e à educação. Os tempos que se seguiram foram de inclusão da mulher nas escolas e universidades bem como no trabalho. Aos poucos as mulheres foram chegando às mais diversas profissões, incluindo a Contabilidade.
Todos estes acontecimentos foram há menos de 50 anos, o que é muito pouco na nossa evolução histórica, sendo necessário continuar este trabalho de mudança do papel da mulher na sociedade, na forma como exercemos o nosso trabalho, nas oportunidades que dispomos e nas condições que são criadas de apoio à família.
No meu ponto de vista, a melhor forma que dispomos para defender os nossos direitos é participar ativamente. Participar ativamente na nossa profissão e na sociedade. Nós, mulheres, dispomos de características de género que nos tornam diferentes dos homens no trabalho, devemos aproveitar essas características a nosso favor e mostrar o valor que temos.
Nós, mulheres, até podemos ser melhores, mais capazes e competentes para exercer determinados cargos, mas por vezes há uma barreira invisível que, injustificavelmente, não conseguimos ultrapassar. Este fenómeno é denominado teto de vidro e consiste na barreira invisível que trava a evolução profissional das mulheres no interior das organizações. É devido a este teto de vidro, que muitas mulheres não conseguem alcançar cargos de topo ou hierarquias superiores na sua vida profissional.
“por vezes há uma barreira invisível que, injustificavelmente, não conseguimos ultrapassar”
Não é fácil lidar com todas estas circunstâncias na área da Contabilidade. Temos de lidar com a injustiça, com o facto de não sermos a selecionada, com o excesso de trabalho e com a frustração, o que por vezes pode levar à desistência e à procura por outras áreas de trabalho. No entanto, acredito firmemente que o caminho não passa por desistir.
Devemos continuar a lutar naquilo em que acreditamos e na nossa inclusão a 100% nas várias áreas e profissão de contabilista. Neste sentido, um ponto essencial é o equilíbrio que tem de existir entre a gestão do trabalho ou da carreira e a família. Como as mulheres deixaram de se dedicar exclusivamente às tarefas de casa, teve que existir uma adaptação da sociedade. As mães portuguesas são das que mais trabalham na Europa e o trabalho doméstico não remunerado continua a ser tarefa de mulher.
Esta é uma tendência que tem vindo a mudar, mas não à velocidade desejável. Muitas vezes assistimos a uma culpabilização da mulher pela dedicação à sua profissão, pois esta exige muito trabalho e por vezes a família é penalizada e a mulher também.
A mulher recebeu a dádiva da maternidade, no entanto, esta ainda continua a ser uma questão sensível com a qual as mulheres têm de lidar na profissão. As especificidades da profissão de contabilista exigem responsabilidade, cumprimento de obrigações fiscais e declarativas e a necessidade de prestar informação à gestão, que não é compatível com a ausência por longos períodos de tempo.
A pandemia de Covid-19, como em tantas outras matérias, provavelmente também terá agravado estas desigualdades da mulher na profissão. Durante este período foi pedido aos contabilistas um esforço sem precedentes, com a necessidade de apoiar as empresas nesta fase difícil, sem nunca descurar as suas tarefas e obrigações diárias. Além de tudo isto, os próprios contabilistas tiveram de lidar com a pandemia, com muitos a serem afetados pelo vírus e a terem de prestar apoio e cuidados familiares.
A mulher contabilista deve afirmar-se na profissão, a mudança deve começar em nós. A participação das mulheres na profissão e em toda a sua envolvente é fundamental para mudarmos o que ainda não consideramos estar bem e desta forma ser corretamente reconhecidas pelo nosso trabalho e potencial.