“Vivemos uma época em que temos recursos para fazer da pobreza história”

Susana Garrett Pinto fundadora da TEACH How to Fish
Susana Garrett Pinto fundadora da TEACH How to Fish

Susana Garrett Pinto é voluntária de coração. Fundadora do TEACH How to Fish, um projeto de voluntariado para combater a pobreza, percorreu o mundo em ações de voluntariado e idealizou o projeto educativo com o qual está a derrubar barreiras e a devolver a autoconfiança junto das comunidades mais pobres. Agora lançou agora a By THF, uma empresa de empreendedorismo social, com a qual pretende dar sustentabilidade ao projeto.

O voluntariado “não foi uma escolha de formação, não foi uma opção curricular nem tão pouco um caminho ao qual o rumo profissional acabou por me levar. Pelo contrário! É algo enraizado em mim, e tive desde sempre a ideia de que teria que adquirir valências e ser o mais multifacetada possível para conseguir encontrar o momento em que poderei deixar de separar o que faço do que sou”, diz Susana.

“Penso sempre que todas as experiências, desde a minha formação e educação, até às experiências profissionais que tive em diferentes áreas, trilharam o caminho para poder dizer em confiança que estou perfeitamente preparada para assumir aquela que é sem dúvida a minha força, o meu dom e a minha missão de vida: servir as comunidades pobres e vulneráveis, devolver-lhes autonomia e dignidade, permitindo-lhes as oportunidades de que necessitam para trabalharem as suas capacidades, através do autoconhecimento, autoconfiança, educação ou formação e emprego.”

Foto de TEACH How to Fish

Promover a autoestima para vencer a pobreza

O TEACH How to Fish é um projeto social voluntário para o impacto, com o objetivo de servir comunidades vulneráveis com soluções que lhes permitam alcançar autonomia e dignidade de forma sustentável, através da sua capacitação.

Criado em 2015, por Susana Pinto, depois de várias ações de trabalho voluntário no Camboja, o projeto integra agora um numeroso grupo de voluntários e opera em Portugal e Camboja, com a ambição de replicar a atuação noutras partes do mundo, como Índia e Marrocos.

“Ao longo destes 6 anos a trabalhar o Projeto TEACH How to Fish (THF), constatámos que a maior barreira assenta na perceção que temos da pessoa humana que vive em situação de pobreza”, sublinha Susana Pinto. Por forma a dar resposta a este problema Susana criou um programa que, através da edução infantil e da formação de adultos, procura contornar a dependência da caridade, transformando-a em autossustento.

A ideia nasceu após Susana ter passado por um programa de voluntariado no Camboja. “Eu sempre pretendi criar algo que permitisse uma alternativa sustentável ao modelo existente para o sector social, que em quase 100% dos casos vive totalmente dependente de donativos explica Susana Pinto. “A experiência da caridade e do assistencialismo dá-nos uma sensação única de utilidade”, porém “os problemas que perpetuam a pobreza são sobretudo estruturais e como tal a intervenção a ser feita exige a coragem de uma mudança de direção e consequentemente uma profunda transformação, muita cooperação e por tudo isto necessitamos de trazer para esta missão todos os agentes sociais”.

“os problemas que perpetuam a pobreza são sobretudo estruturais”

Baseado no Objetivo 8 das metas da ONU para o desenvolvimento sustentável (trabalho digno e crescimento económico), o TEACH How to Fish é um projeto social voluntário, mas não é uma associação. A partir do conceito de Business to Society, Susana Garrett Pinto desenvolveu uma empresa social – a By THF – criada em junho com o objetivo de ser uma ponte entre o segundo e o terceiro sectores. “Em alguns países definem este modelo de empresa social como sendo o “sector 2 e meio”, exatamente por estarmos entre as empresas privadas e as organizações privadas sem fins lucrativos”, explica.

Foto de TEACH How to Fish

Capacitar pessoas através do empreendedorismo social

“Em Portugal, e por não termos um modelo de empresa social juridicamente validado no nosso país, conseguimos avançar conhecedores do trabalho desenvolvido no Reino Unido ou nos Estados Unidos, ajustando à nossa necessidade e conceito através dos estatutos.” Assim, a By THF é uma empresa Unipessoal mas com todos os estatutos enraizados na responsabilidade e impacto social, na sustentabilidade e com o compromisso de aplicar a totalidade do seu resultado ao abrigo de programas do TEACH How to Fish ou de parceiros com a mesma visão.

“Fornecemos serviços de formação, ética e motivação profissional, com base na liderança servidora, no despertar da consciência social voltada para a inclusão e cooperação, e sempre com foco na capacitação de pessoas em situação de vulnerabilidade e desemprego”. “Acredito na possibilidade de fornecer serviços ou produzir produtos que possam ser de utilidade, que tenham valor e que o lucro possa ser aplicado para benefício da sociedade, em vez de acumulado apenas para usufruto próprio”, frisa Susana.

O maior desafio para a fundadora do TEACH How to Fish é o problema estrutural do tema pobreza e vulnerabilidade. “As ideias preconcebidas e generalizadas da pessoa humana que vive em pobreza, as muitas burocracias, os sistemas fechados, a enraizada dependência do estado para a subsistência e até algum apego no sistema do assistencialismo são enormes obstáculos” diz Susana Pinto.

Depois é o trabalho nas diferentes metodologias e abordagens para a transformação que é necessária. “Todos dizem querer o mesmo objetivo, mas temos de ter a capacidade e humildade para perceber que o que foi feito até hoje não permitiu alcançar esse objetivo nem assentou na sustentabilidade”, sublinha. “Precisamos por isso de mudar de rumo e de estratégia para obtermos resultados diferentes, medir o impacto em permanência, analisar os resultados e voltar a afinar e recomeçar a metodologia tantas vezes quantas forem necessárias”.

“Precisamos de mudar de estratégia para obtermos resultados diferentes”

Foto de TEACH How to Fish

Um projeto de voluntários

A Carmo Garrett Pinto, o Carlos Santos, a Cristina Gouveia Monteiro, o Isaac Loh, o Luís Lopes e a Maria João Bobone, fazem parte do que Susana chama o “precioso conselho consultivo”, ainda que todos apoiem e trabalhem nas suas áreas de força: por exemplo a Cristina Monteiro desenvolveu os estatutos e criou todo o modelo jurídico da empresa, o Luís Lopes apoia a empresa ao nível de consultoria financeira e a Maria João em toda a comunicação e no registo de marcas.

No seu conjunto o projeto sempre foi abraçado por voluntários, em Portugal ou no Camboja. Ao longo dos seis anos de atividade a equipa já contou com mais de 100 pessoas de 18 países diferentes, que voluntariamente deram parte do seu tempo e competências profissionais. “Desde gestores, a enfermeiros, a professores ou dentistas, e muitas outras profissões ou estudantes em período sabático. Agora, na criação da empresa social by THF, senti a necessidade de aproximar desde já algumas destas pessoas como equipa para juntos fazermos acontecer e também por forma a criar raízes com diversidade de visões e de opiniões para evitar que a empresa e o seu objetivo primário, algum dia, estagne em mim”, acrescenta Susana Garrett Pinto.   

“Acredito que todos nos damos mais e trabalhamos com mais afinco nas nossas áreas de maior força, ou porque gostamos ou porque temos mais experiência. Depois na área social é essencial que em nós vivam em permanência o amor, a empatia, o respeito, a verdade e um enorme sentido de serviço”, sublinha. “Tentamos, por isso, que todos trabalhem na sua área de conforto, ainda que pessoalmente posso garantir que aprendemos e nos superamos todos os dias com os novos e inúmeros desafios que vamos encontrando. É um desafio novo para todos, mas no fundo traduz-se na aplicação dos conhecimentos de sempre ao serviço de uma empresa que pretende servir as comunidades mais vulneráveis.”

Foto de TEACH How to Fish

Combater preconceitos

Quem trabalha na área social, conhece bem as dificuldades relacionadas com o preconceito social, associado às pessoas que estão numa condição de vulnerabilidade, explica Susana Pinto. O encorajamento e promoção da descoberta das suas capacidades é ignorado e sua a vida balizada de acordo com as soluções predefinidas que existem para oferecerem. E esse problema não é apenas de quem “olha de fora”, ou mesmo de alguns participantes do trabalho social, é sobretudo um problema dos próprios “beneficiários”.

“Quando entra alguém neste universo, com um conceito de “ensinar a pescar e a falar de autonomia e sustentabilidade”, existe tendencialmente resistência e a tentativa de que nos encaixemos no sistema existente. Não julgo como algo que seja consciente, acredito que é uma questão de estar enraizado.”

Já no que toca aos “beneficiários” as maiores dificuldades prendem-se também com a banalizada dependência da presença de outros para resolver as suas vidas” adianta. “As pessoas perdem a sua autoestima e esquecem o seu valor. Várias vezes, em Portugal e no Camboja, tive que dizer que “a Susana não tem as capacidades de nenhum deles” para resolver as suas próprias vidas, tenho apenas a honra de servir e permitir oportunidades.”

“Humildade e o foco são os desafios maiores de qualquer empreendedor”

Foto de TEACH How to Fish

Levar as pessoas a encontrar o seu potencial e despertar a sua autonomia, através de um trabalho digno ou da criação de um negócio pode ser uma missão difícil. “Em tom de “cliché” não resisto em dizer que a sorte me dá sempre muito trabalho”, sublinha Susana Garrett Pinto.

“Creio que a humildade e o foco são os desafios maiores de qualquer empreendedor, a par da resiliência e do sentido de serviço. A humildade para aprender, testar, medir, analisar e refazer tantas vezes quantas forem necessárias. O foco para que nunca percamos a essência e o nosso objetivo, ainda que sempre existam muitos desafios no caminho. A resiliência para conseguirmos ser firmes ainda que flexíveis para não nos permitirmos cristalizar nas adversidades. O sentido de serviço para que sempre trabalhemos com amor, curiosidade e fascínio pelo que nos move.”

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