André Mão de Ferro: “Na área de Deep Tech o Primeiro Investimento é o mais Complicado”

Na foto: André Mão de Ferro, Co-fundador e Executive Manager da C2C New Cap

A C2C New Cap é uma empresa portuguesa de tecnologia, que produz células de energia para veículos. Fundada por três engenheiros visionários, e marcada por um percurso desafiador, a C2C New Cap, angariou prémios e apoios que impulsionaram o desenvolvimento das suas inovadoras células de energia.

Em entrevista ao Empreendedor, André Mão de Ferro, Co-fundador e Executive Manager da C2C New Cap, aconselha cautela aos empreendedores com projetos de Deep Tech, destacando os desafios financeiros e a falta de apoio público adequado para startups tecnológicas em Portugal, em comparação com as suas congéneres europeias mais favorecidas.

Inovação Impulsionada por Desafios

A C2C-NewCap desenvolveu um supercondensador inovador que contribui para uma mobilidade mais sustentável. Os fundadores da empresa constataram que os camionistas, nas pausas obrigatórias, durante as viagens, deixavam os veículos ligados, por receio das baterias não terem energia para um novo arranque. O supercondensador, que desenvolveram, disponibiliza uma reserva de energia necessária para o arranque dos veículos, sem depender do estado ou capacidade da bateria principal.

“O objetivo da nossa empresa é ter alto impacto no mercado de armazenamento de energia e contribuir para o uso eficiente de energia com menores custos ambientais e operacionais. Os dispositivos de armazenamento de energia são o principal facilitador para um futuro energético sustentável”, explica André Mão de Ferro.

Fundadores da C2C New Cap
Na foto: fundadores da C2C New Cap

Da Ideia à Realidade

A ideia surgiu em 2012, no Instituto Superior Técnico, como um projeto para uma tese de mestrado. André Mão de Ferro e o seu primo, Rui Silva, viram o potencial em transformar numa empresa, a pesquisa realizada com objetivos académicos. Co-fundaram a empresa com Sónia Eugénio que, todavia, só mais tarde se integrou na equipa.

Vencer o prémio BES Inovação acabou por ser crucial, fornecendo não apenas financiamento inicial, mas a validação para a ideia. Porém foi a passagem pelo programa COHiTEC que se tornou decisiva para o arranque do projeto, oferecendo formação em empreendedorismo e ensinando como abordar investidores.

“Olhando para trás percebemos que eles fizeram uma grande diferença, porque eu não tinha noção como se fazia Plano de Negócio, como se abordava um investidor e, enfim, depois de termos um protótipo e queremos chegar a um cliente, precisamos de saber como é que o vamos explicar”, diz André Mão de Ferro.

Na foto: Supercondensador da C2C New Cap

Desafios do Deep Tech

Contudo, a transição de uma ideia promissora para uma empresa operacional, especialmente no setor de Deep Tech, não foi isenta de desafios. Desenvolver uma startup de Deep Tech em Portugal é desafiador devido ao investimento e tempo necessários para pesquisa. Aprender a linguagem de negócios é essencial para um empreendedor nesta área tecnológica.

“Os Investidores, muitas vezes não têm noção do tempo e do caminho que é preciso percorrer por uma startup que trabalha com tecnologia que precisa de investigação, que precisa de testar antes de começar a vender e a produzir. A nossa área de Deep Tech tem uma investigação demorada e, em Portugal, os investidores esperam o retorno rápido. É claro que se formos alunos do MIT, as coisas serão mais simples”, ironiza André Mão de Ferro.

“Se me perguntar hoje se é mais difícil o primeiro investimento ou outro que nós já tivemos, eu acho que todos são difíceis, mas o primeiro é mais complicado, porque o que nós temos para mostrar é apenas uma amostra de laboratório. Isso é extremamente difícil para alguém perceber. Agora, os investidores vêm cá e veem um produto, veem que há clientes veem em que há coisas a acontecer.”

Mulher medindo a energia armazenada num módulos de supercondensador
Foto de C2C New Cap

Impulso Financeiro

Embora a ideia tenha despertado em 2012, a empresa só começou em 2016 com o primeiro investimento. Inicialmente, todos mantiveram os seus empregos enquanto trabalhavam na startup em part-time.

“Em 2012/2013 eu era bolseiro de investigação, a Sónia dava aulas e o Pedro era engenheiro numa fábrica de moldes. Todos nós tínhamos os nossos trabalhos, mas sempre ao final do dia, ou ao fim-de-semana, nos reuníamos para estudar uma oportunidade, preparar para um concurso ou entrar num programa de aceleração. Fazíamos sempre candidaturas e falávamos sempre com Investidores. Mas era um trabalho em part-time, a nossa startup era o nosso hobby. A nossa paixão era fazer dela uma empresa real, mas a verdade é que não era a nossa atividade principal”, recorda André.

A sorte mudou quando conseguiram um investimento pre-seed da Caixa Capital e InnoEnergy, em 2016, e uma doação da Fundação Repsol, em 2017, que impulsionou o desenvolvimento, permitindo a participação em projetos europeus e criando condições para estabelecer uma linha de montagem.

“Com o financiamento da Repsol em 2017/2019 montamos o primeiro protótipo num camião e isso foi o nosso primeiro resultado mais tangível. Com isso fizemos uma submissão a um programa da União Europeia para uma bolsa de 2 milhões de euros, que nos permitiu passar para as instalações onde estamos agora e criar uma linha de montagem. Atualmente estamos a levantar 6 milhões de euros, dos quais 3 milhões que são do programa EIC Accelerator, do Conselho Europeu de Inovação. Eles serão nossos sócios através do programa”, explica André.

“Desde a ideia em 2012 até à primeira venda foi um longo percurso. Só no ano passado (2022) é que fizemos nossa primeira venda. Hoje o nosso produto está certificado pelo IMT e temos um grande cliente que é a Galp.”

Super condensadores produzidos pela C2C New Cap
Foto de C2C New Cap

A Motivação

A motivação de André para empreender vai além do desejo de liberdade profissional. Era o cansaço das dinâmicas institucionais e a busca por um ambiente de trabalho positivo que o impulsionavam. A ideia de contribuir para a sociedade e melhorar a vida das pessoas também desempenhou um papel crucial na sua decisão de seguir esse caminho desafiador. Porém superar dificuldades financeiras foi um desafio constante, mas a paixão pelo trabalho manteve a equipa focada.

“Dificuldades sempre houve. A dificuldade mais dura que existe é o dinheiro acabar, e isso aconteceu duas vezes. O dinheiro estava praticamente acabando e, num momento de sorte, conseguíamos uma bolsa, conseguíamos um prémio”, recorda André Mão de Ferro.

“O ano passado, por exemplo, tivemos um momento muito difícil, mas o ano acabou de uma forma brilhante. Conseguimos o Accelerator, que ainda não se materializou, conseguimos um projeto de 2 milhões e meio de euros e ganhámos um prémio 100.000 dólares por um pitch que eu fiz em Miami. Mas antes disso foi um ano super-difícil e essa dificuldade tem muito a ver com a liquidez. A liquidez determina muito o nível de stresse de um empreendedor”.

André reconhece que, se pudesse voltar a 2012, a recomendação inicial seria evitar os desafios financeiros e de burocracia em Portugal.

“Sinceramente, se eu fosse recomendar alguma coisa ao André em 2012 seria: ‘não te metas nisso’. O percurso era interessante mas as dificuldades com o dinheiro disponível foram a causa de anos extremamente stressantes. Além disso, tanto eu quanto o Pedro começamos a ter filhos e a ver que temos crianças para alimentar. Isso é muito difícil para um empreendedor”, sublinha. “Ainda bem que fomos ingénuos e acabámos por levar a ideia para a frente porque a recomendação primeira é: ‘Não, por favor!’”

André Mão de Ferro na fábrica de supercondensadores
André Mão de Ferro (foto de Empreendedor)

Desafios do Empreendedorismo em Portugal

André Mão de Ferro também critica a falta de apoios públicos adequados para startups tecnológicas em Portugal. Ele ressalta a desvantagem das startups portuguesas em comparação com as suas congéneres europeias, que dispõem de melhores condições para desenvolver soluções inovadoras.

“Quando as startups de França, Alemanha, Estónia ou Itália chegam aos programas europeus, já desenvolverem os seus protótipos e fizeram o estágio de desenvolvimento em programas nacionais. Os programas europeus são vistos como uma alternativa. Em Portugal só há programas europeus. Nós só jogamos no campeonato europeu, porque o campeonato português é uma tristeza a forma como funciona. E isso é um problema para as startups portuguesas quando têm de competir com startups de outros países europeus.”

A excessiva burocracia e desconfiança no cumprimento das regras são obstáculos adicionais. André sublinha a necessidade de compreender que, ao contrário de outros países europeus, em Portugal, as empresas enfrentam constantes desafios e a necessidade de ‘desenrascar’.

“Existe uma excessiva burocracia associada a uma constante desconfiança de que o beneficiário não cumpre as regras. Por exemplo, nós estivemos no programa ‘Portugal 2020’ em 2018, e em 2023 ainda estamos a tratar de faturas. Devido às cativações do Ministério das Finanças, o financiamento para o projeto foi aprovado, mas só recebemos o financiamento depois do projeto acabar. Tivemos de cumprir as metas que nos comprometemos, sem dispor de condições financeiras para as executar.”

“Quando falamos de Empreendedorismo temos que ter a noção que lá fora as coisas realmente funcionam e as empresas estrangeiras têm muito mais condições para desenvolver soluções enquanto nós temos de ‘desenrascar’. Esse é um problema que as empresas as empresas portuguesas têm muitas vezes dificuldade para ultrapassar”.

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