Saúde mental desvalorizada entre comunidades imigrantes em Portugal

Estudo revela que barreiras económicas e culturais condicionam o acesso aos cuidados de saúde mental

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Embora os imigrantes em Portugal cheguem geralmente em boas condições de saúde, o seu bem-estar deteriora-se com o tempo, aproximando-se progressivamente da média da população nativa. O fenómeno, conhecido como efeito imigrante saudável, é condicionado por fatores económicos, sociais e culturais que influenciam o acesso a cuidados médicos. A saúde mental, em particular, é amplamente desvalorizada, tanto entre imigrantes como entre os próprios nativos, o que limita significativamente a procura por apoio especializado.

O estudo Além-Fronteiras: Saúde Mental e Acesso a Cuidados de Saúde dos Imigrantes em Portugal, desenvolvido no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social pela Fundação ‘la Caixa’, BPI e Nova SBE, revela que menos de metade dos imigrantes recorre aos serviços de saúde mental, mesmo quando apresenta sintomas depressivos clinicamente significativos. A análise, conduzida pelos investigadores Pedro Pita Barros e Carolina Santos, baseia-se em dados do Inquérito Nacional de Saúde de 2014 e 2019 e avalia o impacto da origem e dos motivos de migração na saúde e no acesso a cuidados médicos.

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Acesso desigual e desproteção financeira nos cuidados de saúde

Apesar do Serviço Nacional de Saúde (SNS) garantir acesso universal a cuidados médicos, subsistemas e seguros privados desempenham um papel importante na cobertura de despesas diretas. Os dados mostram que os imigrantes provenientes de países fora da União Europeia (UE) têm, em média, 4,3 pontos percentuais menos probabilidade de possuir um seguro de saúde ou subsistema comparativamente aos nativos. Esta disparidade é ainda mais acentuada entre os imigrantes que chegam a Portugal por motivos económicos, que registam uma taxa de desproteção 6,1 pontos percentuais superior à dos cidadãos portugueses.

No que toca à utilização dos serviços de saúde, os imigrantes recorrem menos a consultas de Medicina Geral e Familiar do que os nativos. A diferença é particularmente evidente entre os imigrantes económicos, que utilizam estes serviços 3,4 pontos percentuais menos do que a população portuguesa. Contudo, não se verificam diferenças significativas no acesso a cuidados hospitalares, exceto para os imigrantes de fora da UE, que apresentam uma maior probabilidade de recorrer a serviços de urgência e ambulatórios.

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Saúde mental: um desafio subestimado

A prevalência de sintomas depressivos é superior entre os nativos (14,8%) do que entre os imigrantes de fora da UE (9,1%) e da UE (7,1%). No entanto, esta diferença não significa necessariamente um melhor estado de saúde mental entre os imigrantes, mas sim uma menor perceção da necessidade de ajuda psicológica. Segundo o estudo, 59,3% das pessoas em Portugal com sintomas depressivos moderados a severos não reconhecem a necessidade de apoio. O fenómeno afeta 69,3% dos nativos, 66,7% dos imigrantes da UE e 57,1% dos imigrantes de fora da UE, sugerindo que a negação ou subvalorização dos sintomas pode ser um obstáculo ao acesso a cuidados especializados.

Os fatores socioeconómicos também influenciam o bem-estar mental. As mulheres apresentam uma probabilidade 11,3 pontos percentuais superior à dos homens de reportar sintomas depressivos. O rendimento, por outro lado, tem um impacto reduzido na saúde mental, contrariando a ideia de que a depressão afeta principalmente pessoas com maior nível de rendimento. O principal fator protetor identificado pelo estudo é a rede de apoio social: indivíduos com pelo menos um ou dois contactos próximos a quem recorrer em caso de necessidade apresentam uma probabilidade 8,8 pontos percentuais menor de sofrer sintomas depressivos.

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O efeito imigrante saudável e o impacto da integração

Os imigrantes que chegam a Portugal por motivos não económicos – como reunificação familiar, carreiras internacionais ou deslocação forçada por instabilidade política – apresentam uma probabilidade 2,6 pontos percentuais menor de desenvolver sintomas depressivos do que os nativos. Contudo, este efeito saudável esbate-se ao longo do tempo. Após 40 anos de residência, os homens imigrantes registam níveis de sintomas depressivos semelhantes aos dos homens nativos, enquanto as mulheres imigrantes continuam a apresentar um estado de saúde mental ligeiramente mais favorável.

A adaptação ao país de acolhimento também influencia os hábitos de vida e, consequentemente, o estado de saúde geral. Os imigrantes da UE, por exemplo, praticam mais exercício físico do que os nativos, mas apresentam uma probabilidade 6,1 pontos percentuais superior de consumir álcool ou fumar diariamente. Com o tempo de residência, o consumo de álcool diminui, mas a taxa de tabagismo aumenta, contrariando a ideia de que os imigrantes ajustam os seus hábitos aos dos portugueses.

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Políticas públicas para reduzir desigualdades

Os dados evidenciam que os imigrantes que se deslocam a Portugal por razões económicas enfrentam maiores barreiras no acesso à saúde do que aqueles que migram por motivos não económicos. Para os investigadores, o desenho de políticas públicas eficazes deve aprofundar a compreensão das causas destas desigualdades e adotar medidas que garantam um acesso equitativo a cuidados de saúde, especialmente na área da saúde mental.

A deterioração do estado de saúde dos imigrantes ao longo do tempo reforça a necessidade de políticas que promovam não só o acesso aos serviços médicos, mas também a integração social e cultural. A sensibilização para a importância da saúde mental e o reforço dos serviços especializados são passos essenciais para garantir o bem-estar das comunidades imigrantes e reduzir as desigualdades no sistema de saúde português.

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