A associação portuguesa de proteção de Direitos de Autor contesta a terceira versão do Código de Conduta para Inteligência Artificial de Uso Geral, alertando para a fragilização dos direitos de autor e a ausência de mecanismos eficazes de transparência e remuneração.
A Audiogest, entidade que representa produtores de música em Portugal, manifestou a sua firme oposição à terceira versão do Código de Conduta relativo à Inteligência Artificial de Uso Geral (IAUG), apresentado no contexto do novo Regulamento de IA da União Europeia. A associação junta-se assim à coligação europeia de autores, intérpretes e titulares de direitos que consideram que o documento compromete os princípios essenciais da legislação comunitária.
Segundo a Audiogest, esta nova versão do Código enfraquece as obrigações impostas aos fornecedores de IA, ao permitir apenas “esforços razoáveis” no cumprimento das normas de direitos de autor, sem garantir mecanismos claros de verificação e responsabilização. Para além disso, elimina a obrigação de transparência sobre os conteúdos usados para treinar modelos de IA, o que inviabiliza a ação dos titulares de direitos perante utilizações abusivas.
Miguel Carretas, diretor geral da Audiogest, afirma que “o regulamento de IA da UE foi criado para equilibrar a inovação com a proteção dos criadores, mas este Código de Conduta mina esses objetivos, deixando os artistas vulneráveis ao uso indevido das suas obras”. A associação denuncia ainda que os contributos apresentados pelas indústrias criativas para corrigir falhas do texto foram amplamente ignorados.
A questão tem sido acompanhada também pelo Governo português. Alberto Santos, Secretário de Estado da Cultura, evocou o tema durante a entrega do Prémio Carreira a José Cid nos Play – Prémios da Música Portuguesa, ao afirmar que “o génio da criatividade humana é inimitável e jamais poderá ser reduzido ao vazio de um algoritmo”, numa referência direta ao impacto da IA nas artes.
Setores criativos europeus contestam Código de IA
A Audiogest juntou-se a outras associações europeias no apelo à Comissão Europeia para que rejeite esta versão do Código e reforce a proteção dos direitos de autor, garantindo transparência, justa remuneração e respeito pelo trabalho dos criadores. Para a associação portuguesa, a regulação da IA deve ser uma oportunidade para proteger o valor da criatividade humana e não uma ameaça aos pilares das indústrias culturais.
A principal crítica da coligação de autores, intérpretes e titulares de direitos de toda a Europa., dirige-se à introdução de expressões vagas como “esforços razoáveis” por parte dos fornecedores de IAUG para cumprimento da legislação de direitos de autor, em vez de obrigações concretas e verificáveis. A coligação considera que este tipo de linguagem dilui a responsabilidade dos fornecedores e desvirtua o princípio da autorização prévia, pilar do direito de autor europeu.
Os autores alertam ainda para a ausência de transparência quanto aos conteúdos utilizados para treinar os modelos de IA. A nova versão elimina a obrigatoriedade de divulgar se os direitos reservados foram respeitados e falha em apresentar um modelo eficaz de “resumo suficientemente detalhado”, o que impossibilita que os titulares de direitos possam exercer os seus direitos de forma prática.
Entre os pontos mais contestados está também a referência ao controlo de acesso como critério suficiente para se considerar o “acesso legítimo” a conteúdos protegidos – uma interpretação que, segundo os signatários, contradiz claramente o direito europeu. Para além disso, o mecanismo de reclamações previsto no Código é considerado ineficaz, por não incluir qualquer obrigação de resolução por parte dos fornecedores de IA.
A coligação destaca que participou de forma construtiva nas fases anteriores da redação do Código, submetendo contribuições e alertas sobre falhas estruturais. No entanto, as suas observações foram amplamente ignoradas, resultando num documento que, no entender dos signatários, compromete seriamente a proteção dos setores culturais e criativos.
Para os representantes da cultura europeia, o Código deveria garantir que os modelos de IA respeitam os princípios fundamentais da propriedade intelectual e permitir o desenvolvimento de uma IA ética, transparente e compatível com a sustentabilidade do setor criativo. A atual versão, dizem, faz exatamente o contrário e não pode, por isso, ser aprovada.