Brexit – E agora Europa?

Os mercados financeiros são os mais sensíveis a estas alterações e a desvalorização da Libra foi o primeiro sinal. Se a desvalorização da moeda, do ponto de vista económico, até pode ser uma vantagem para a exportação de produtos e serviços, do ponto de vista financeiro a perda de valor de uma moeda significa que há menos interesse dos mercados por ela. Para os bancos, esta não é uma boa notícia.

Caso a desvalorização da Libra seja acentuada e se mantiver por muito tempo, isso quer dizer que todos os depósitos em Libras perdem valor. Há estimativas que a moeda britânica pode ‘cair’ de 5 a 30% o que, no pior cenário, significaria o mesmo que aconteceu aos aforradores cipriotas atingidos pela crise bancária. Embora, alguns cenários pareçam hoje improváveis, a realidade é que, até algumas semanas, a hipótese de vencer o Brexit também era.

A principal preocupação agora é saber qual a verdadeira capacidade do sistema financeiro britânico em resistir às ondas de choque dos mercados. A banca londrina tem atravessado as últimas crises mundiais gabando-se da sua solidez, mas também é certo que até hoje não tinha sofrido um impacto tão acentuado, resta saber se não terá também ‘rabos-de-palha’ que possam agravar mais a situação já instável.

Muitos analistas têm previsto cenários catastróficos para a Europa e sobretudo para os países do sul. Na realidade, as primeiras consequências – e também as mais perduráveis – vão para os britânicos. Claro que a incerteza gerada pela agitação nos mercados teve implicações no aumento das taxas de juro para todos os países em dificuldades financeiras na Europa (no caso dos países ibéricos essas taxas vão ainda ser agravadas em consequência das eleições espanholas de domingo). Mas o que vai acontecer aos restantes europeus dependerá mais da resposta que a União Europeia der à saída do Reino Unido do que do referendo britânico.

Na verdade, os fatores que vão determinar as consequências desta decisão dos britânicos ainda não aconteceram ou permanecem ainda desconhecidos. E a evolução dos mercados nas últimas horas pode resultar apenas da incerteza resultante da mudança de paradigma, e normalizar em pouco mais de uma semana, como pode ‘destapar’ situações que estavam encobertas e induzir decisões politicas que, por sua vez, lançarão mais incerteza.

Do ponto de vista de um empreendedor português com negócios, ou projetos no Reino Unido, esta mudança decidida pelos eleitores britânicos não implicará, do ponto de vista administrativo, alterações substanciais nas relações entre as duas economias. Como disse, haverá um período de transição de cerca de dois anos e muito provavelmente, a relação do Reino Unido com e Europa acabará por ser a que já se verifica com a Noruega, Islândia ou Suíça.

No curto prazo a inflação britânica terá mais impacto nas empresas portuguesas que exportam para o mercado inglês, em resultado do aumento de preços que será tanto maior, quanto for a desvalorização da Libra. Também alguma contração da economia britânica levará à redução das encomendas.

Se, todavia, o seu parceiro de investimento é do Reino Unido, é possível que o fluxo de investimento seja reduzido, consoante a exposição que ele terá aos mercados financeiros. Espere também uma maior pressão para obter lucros e uma revisão dos calendários previstos para a execução do seu projeto. Na eventualidade de um cenário mais pessimista da economia britânica, prepare-se mesmo para a eventualidade do seu parceiro investidor colocar à venda a participação no seu negócio.

Numa perspetiva positiva, fatores como a desvalorização da Libra – que torna mais acessível os serviços disponibilizados pelas empresas do Reino Unido – e a incerteza perante uma eventual recessão britânica, podem facilitar a abertura para parcerias com empresas inglesas que lhe poderão abrir as portas para outros mercados fora da Europa.

Se os decisores políticos europeus souberem aproveitar a oportunidade para gerar confiança na Zona Euro, também Portugal pode tornar-se mais atrativo para profissionais altamente qualificados, na senda do que já se verifica com o fenómeno das startups em Lisboa. Mas esta oportunidade depende muito mais do que os políticos europeus poderão decidir nos próximos dias, criando condições para impulsionar a economia ou pelo contrário aumentando a incerteza relativamente ao futuro comum europeu.

Para um empreendedor não há ‘más notícias’, mas apenas factos que podem gerar – ou não – oportunidades. O que distingue o empreendedor das pessoas ‘comuns’ é o fato de estar atento a essas oportunidades para impulsionar – ou proteger – o seu negócio. Tenha em mente que vamos entrar num período de grande incerteza (económica, política e geopolítica) e esteja atento a todos os sinais.

Estas reflexões que lhe deixo não explicam tudo o que há para dizer sobre o Brexit. Não é essa a minha pretensão, mas recomendo que não se deixe influenciar por cenários alarmistas. O mundo não é um jogo de dados e há muitas variáveis que tornam difícil traçar com precisão o que pode ocorrer nas próximas semanas. Mas a acreditar em Adam Smith, há sempre uma ‘mão invisível’ que, perante o caos, acaba por orientar a economia para uma ordem. Às vezes, porém, essa ‘ordem’ não é a que estávamos à espera. A isso chama-se ‘Cisne Negro’.

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