A ausência de vínculos contratuais duradouros na investigação académica leva os investigadores e cientistas mais jovens a recorrer às ferramentas e estratégias do empreendedor para buscarem alternativas à precariedade das bolsas.
À partida, o empreendedorismo científico diverge muito pouco de qualquer outra espécie de empreendedorismo. É constituído pela mesma rotina de definição de estratégias de conteúdos e de marketing de produto, de reflexão individual e coletiva, e de reuniões periódicas (nem sempre frutuosas…). Pela mesma construção de redes sociais profissionais, de comunidades de interesses e de ações de networking. Exige as mesmas hard e soft skills, o mesmo recurso à autoaprendizagem e auto-especialização, assim como aos conhecimentos de profissionais de áreas completamente distintas. Não existem, igualmente, horários rígidos de trabalho – sete dias por semana, 50 semanas por ano, com acesso constante aos emails e ao telemóvel. Também necessita dos mesmos três ‘F’ – ‘friends, fools and family’, como fontes de financiamento, e de uma dupla linguagem, técnico-científica, por um lado, e de divulgação e apelo ao investimento e consumo, por outro.
No meu caso pessoal, o último biénio foi, sobretudo, um tempo de concretização de esforços em projetos e eventos científicos específicos. Com o financiamento da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), continuo a beneficiar de uma bolsa de pós-doutoramento para estudar os primeiros oitenta anos da Academia das Ciências de Lisboa (1779-1859) – a nível do impacto cultural e do legado historiográfico deixado pela instituição – o que me permitiu disponibilidade para fazer parte de uma Comissão Científica de um colóquio internacional; de Comissões Organizadoras desse mesmo evento e de um outro; ou proferir cinco palestras em encontros nacionais e internacionais e moderar duas sessões de trabalho.
Todas estas experiências significam, para mim, um capital valioso de saber-fazer acumulado, em termos científicos e sobretudo organizativos. Tornei-me, além disso, colaborador regular de uma publicação especializada em Genealogia e Heráldica, com inclusão de seis artigos (quatro trimestrais e dois semestrais). Editei a minha tese de doutoramento com patrocínios de duas fundações (Oriente e D. Manuel II), da Administração do Porto de Lisboa e de duas empresas familiares ligadas aos descendentes do 1.º visconde de Santarém.
Para o futuro, tenho entre mãos, projetos para novos encontros científicos para 2018, a edição da biografia do 2º visconde de Santarém e de uma obra coletiva sobre o seu trabalho cartográfico, ambos para 2018-2019. Pretendo, também, prosseguir a publicação de artigos em revistas com peer review (revisão por pares), como já alcancei no Brasil em 2014 e em Espanha em 2016. Além disso, todos os cinco encontros científicos em que participei em 2015-16 prevêem, teoricamente, publicação seletiva de comunicações – uns mais rapidamente do que outros, como é lógico, como capítulos em obras coletivas (aguardo, por exemplo, para 2017 a publicação de palestra proferida em 2014). Se tudo correr bem, no próximo ano serei também, pela primeira vez, coordenador editorial de uma obra coletiva, o que constitui sempre uma marca importante numa carreira académica.
Não deixa, porém, de ser um trabalho precário, sujeito a revisões anuais da minha produtividade, para eventuais renovações por limites de triénios (no meu caso, em 2014-2017 e/ou 2017-2020). Tal como um empreendedor, o investigador está obrigado à atualização constante do seu projeto, adequando-o ao mercado da procura – no caso académico, o interesse em determinadas áreas reflete-se no número de bolsas disponíveis – e condicionado à pressão da concorrência, para uma quantidade cada vez mais limitada de bolsas.
Num recente encontro de Debate Público sobre o sistema de Ciência & Tecnologia, o Ensino Superior e o Emprego científico, ocorrido a 9 de novembro no Laboratório Nacional de Engenharia Civil e presidido pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, ouvi pela primeira vez falar no conceito de ativismo científico. Este ativismo propõe que os investigadores e cientistas sejam mais reivindicativos, mais lutadores, para obterem vínculos duradouros e contratações laborais no ensino e investigação universitários. É, no fundo, uma constatação de que a autonomia universitária e politécnica deve ser respeitada na sua opacidade de abertura de procedimentos concursais e de contratação de investigadores doutorados. Um tema a que poderei voltar num futuro texto e que, para mim, constitui um claro sinal de luta de castas e de darwinismo social no mundo académico.