Empreendedorismo: mito moda ou máscara?

Numa época em que todos os setores da sociedade falam na criação de autoemprego, um seminário a propósito do Estado e do Terceiro Setor levantou algumas questões pertinentes sobre o empreendedorismo enquanto resposta universal para a crise portuguesa.

O CES/OCA (Centro de Estudos Sociais)/Observatório sobre Crises e Alternativas, da Universidade de Coimbra e o Montepio organizaram no passado dia 18 de Junho um seminário sobre que novos compromissos um Estado português cada vez menos social e solidário poderá estabelecer com o Terceiro Setor, ou seja, com a Economia Social. Em ano de eleições legislativas e em que os números relativos ao desemprego e à ausência de efetiva cobertura de proteção social dos desempregados parecem fugir cada vez mais à realidade sentida pelas populações, resolvi participar nesta iniciativa e aprender algo sobre o que é o Terceiro Setor. E não me arrependi.

O Terceiro Setor

Em primeiro lugar, o próprio conceito de Terceiro Secor foi pedagogicamente explicado aos não-iniciados. Foi dito que é considerado o Estado como o Primeiro Setor da economia, o Segundo Setor o da economia privada e o Terceiro Setor o das IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social), também conhecido como o da Empresas Sociais. Os compromissos a estabelecer entre o Estado e o Terceiro Setor são assim essenciais, em termos de proteção social, de direitos dos trabalhadores, na luta contra o desemprego e contra a pobreza. Como é por demais sabido, tanto o Estado como o setor empresarial dinamizam cada vez mais a ideia do empreendedorismo e do autoemprego como soluções individuais e coletivas para o desemprego, a pobreza e a exclusão social. O Terceiro Setor também, naturalmente.

No segundo painel, exclusivamente constituído por investigadores do CES, parece-me ser de especial destaque a intervenção de Carla Valadas, que se referiu a Políticas Públicas de Emprego e à questão do empreendedorismo. Nesta dupla vertente, falou-se numa necessária e já iniciada mudança de paradigma: responsabilização do indivíduo, regresso rápido do desempregado ao mundo do trabalho, sanções e restrições na elegibilidade dos cidadãos aos apoios sociais se não corresponderem ao que lhes é exigido (apresentações semanais no Centro de Emprego, aceitação de inclusão em ações de formação, etc.) e políticas de empregabilidade autónoma (autoemprego). Para tal, é exigível ao cidadão desempregado o desenvolvimento de novas competências e motivações, entre elas, a melhoria dos conhecimentos técnicos, de competências comportamentais e de comunicação e uma pró-atividade crescente.

A investigadora Carla Valadas explicou que, em termos de empreendedorismo, este pode constituir, na sua opinião e de acordo com os estudos que tem desenvolvido, uma alternativa e solução, mas apenas para um público com características muito específicas, envolvendo determinados riscos que devem ser acautelados.

Tive então ocasião de questionar a investigadora em causa, que confessou não ser especialista em empreendedorismo, mas respondeu com a prudência e a cautela próprias de quem abordou este tema apenas como um aspeto secundário da sua intervenção, já de si curta (por questões óbvias). Do diálogo resultou, aliás, uma interrogação: será o empreendedorismo um mito, uma moda ou uma máscara para problemas estruturais em Portugal?

Mito, moda e máscara

Existe, de facto, a moda do empreendedorismo, referido pelos municípios, pelo IEFP (seja em Centros de Emprego, seja em centros de Formação), pelos jornais locais, até pelos jornais gratuitos. Organizações do Terceiro Setor tentam, via formação e erradicação da pobreza e luta contra a exclusão social, tornar pró-ativos e empreendedores aqueles que caíram nas garras da toxicodependência e da pequena criminalidade. O IEFP e os agrupamentos escolares tentam dinamizar jovens escolarizados e adultos desempregados de longa duração a saírem do ciclo vicioso da falta de emprego, formação ou escolarização através do empreendedorismo. É uma necessidade, embora também uma moda.

Mas o empreendedorismo não deixa de ser também um mito e uma máscara para o retrocesso que em Portugal a formação de jovens e de adultos conheceu desde a queda do governo Sócrates e o retrocesso do programa das Novas Oportunidades e da formação profissional em geral. São necessárias ferramentas, para se ser empreendedor, que não se aprendem (geralmente) nem na escola, nem em casa, nem com os mass media: paciência, resiliência, vontade de aprender, capital de risco, capacidade de se ser flexível e inventivo.

Falar de empreendedorismo é como falar de Deus: cada um terá a sua opinião sobre o assunto ou ausência dela. Porque quem trabalhou ou trabalha em áreas de negócios, quem é empresário, quem é licenciado ou possuidor de uma experiência de trabalho sólida e duradoura, poderá pensar em reconverter-se profissionalmente e ser empreendedor. Quem não tenha hábitos de leitura, domine o inglês (essencial para compreender conceitos-chave), quem seja infoexcluído, quem esteja à beira da pré-reforma e farto de se passear em centros de formação do IEFP para uma manta de retalhos de formações de curta duração, nunca ou dificilmente se sentirá tentado ou destinado ao empreendedorismo.

Quando nasce, não é para todos

Já anteriormente escrevi aqui sobre uma formação de curta duração sobre os FEEI (Fundos Europeus Estruturais de Investimento) que frequentei. Não me tornei especialista no assunto, naturalmente, mas não me surpreende a notícia surgida, meses atrás, saída no Diário Económico de 13 de Abril, segundo os quais «Advogados formam equipas dedicadas aos novos fundos comunitários», com o lead «Portugal 2020 – Os escritórios portugueses já têm equipas específicas a trabalhar para assessorar empresas que querem candidatar-se».

Isto acontece porque a linguagem dos FEEI, tal como a linguagem e variedade da oferta formativa do IEFP, tal como a de procedimentos de certificação de entidades formadoras ou de plataformas de crowfunding como a PPL são de tal forma complexos que, tal como Pirro, quem não seja do sector só pode humildemente responder, comentando a frase de Sócrates «Só sei que nada sei», «Eu nem isso sei»… O mesmo pode ser dito, aliás, da submissão de projetos de pós-doutoramento à FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) ou de organização de colóquios científicos a centros de I&D (Investigação & Desenvolvimento) por ela financiados…

Não querendo soar como demasiado pessimista (pois isso seria negar o embrião do empreendedor que tenta desenvolver-se em mim), parece-me que o sol do empreendedorismo, quando nasce, não é para todos. Não existe, em Portugal, um diálogo que una os três sectores (público, incluindo IEFP, FCT e Balcão 2020; privado e da Economia Social) de forma transversal. Cada um puxa a brasa à sua sardinha, num discurso que vai desde o mais sério e estratificado até à mais pura banha da cobra. Não é por acaso que, no caso do microcrédito, a taxa de aprovação seja de 10%, como foi referido durante o seminário. O mesmo sucederá, porventura, com projetos de empreendedorismo em geral e social em particular.

Portugal é não só um país de poetas e de treinadores de bancada, mas também de empreendedores – basta pensar nos que deram o salto nos anos 60 e nos que o estão a dar agora. E não nos esqueçamos que, para se ser empreendedor, é preciso (ou aconselhável) ter formação específica – e ela não é barata nem acessível a todas as bolsas. E que ninguém se aventura a montar um negócio ou projeto sem o apoio, pago, muitas vezes, de intermediários ou descodificadores que conheçam os meandros e a linguagem envolvida – segundo a pura lógica da economia de mercado.

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