A indústria de roupa em segunda mão desempenha um papel crucial na economia moçambicana, sustentando mais de 1 milhão de pessoas e gerando cerca de 35 milhões de dólares em receitas fiscais anuais, fundamentais para o financiamento de serviços públicos essenciais.
Segundo o relatório “Mozambique’s Second-Hand Clothing Industry: A Lifeline for Millions and a Catalyst for Economic Growth”, elaborado pela Consulting For Africa (CFA) e Abalon Capital, e encomendado pela ONG ADPP Moçambique, este setor contribui com mais de 200 mil empregos diretos e indiretos, oferecendo uma fonte de rendimento para milhares de famílias num país onde 25% da população está desempregada.
O estudo destaca que, num dos países mais pobres do mundo — Moçambique ocupa a 183.ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas —, a comercialização de roupa usada não é apenas uma necessidade, mas também um mecanismo de inclusão social e crescimento económico.
De acordo com Luísa Diogo, ex-primeira-ministra de Moçambique e membro do conselho do Absa Bank Group, este setor “não se resume ao vestuário; é um motor de dignidade e de oportunidades, sustentando famílias, criando empregos e contribuindo para a educação e saúde.”

Sustentabilidade e Impacto Social
O relatório também desmistifica a perceção de que a África serve como “depósito” de roupa em segunda mão. Pelo contrário, em Moçambique, a reutilização de vestuário faz parte de uma tradição cultural enraizada, onde as peças são frequentemente passadas de geração em geração ou reaproveitadas por costureiros locais, reforçando a circularidade da economia.
Para Brian Mangwiro, da Abalon Capital, milhões de pessoas em África dependem deste setor, e qualquer decisão regulatória deve considerar a realidade económica do Sul Global. “As políticas de sustentabilidade devem equilibrar a necessidade de reduzir o impacto ambiental com a importância do setor para as economias emergentes”, sublinha.
O impacto positivo da indústria estende-se especialmente às mulheres e jovens, grupos frequentemente marginalizados, que encontram na comercialização de roupa usada uma forma de sustento e desenvolvimento de competências. O estudo confirma tendências observadas em outros mercados africanos, como Gana, Quénia e Tanzânia, onde a economia de segunda mão tem sido uma alavanca para o crescimento local.

Desafios Regulatórios e o Risco da Fast Fashion
Enquanto os debates sobre a regulação do comércio de roupa em segunda mão se intensificam na Europa e em África, o relatório alerta para efeitos colaterais indesejados. Restrições ao setor poderiam beneficiar indiretamente produtores de fast fashion, especialmente na China, onde a oferta de vestuário barato e de menor qualidade tem vindo a dominar o mercado global.
Face a este contexto, os autores do estudo defendem políticas informadas, que considerem não apenas a sustentabilidade ambiental, mas também a preservação das cadeias de valor nos países recetores. O relatório reforça que os esforços globais para reduzir o impacto ambiental da indústria têxtil não devem transformar-se num jogo de soma zero, prejudicando os países em desenvolvimento enquanto favorecem grandes produtores industriais.
O futuro da indústria de roupa em segunda mão dependerá da capacidade de equilibrar crescimento económico, inclusão social e sustentabilidade, garantindo que milhões de pessoas em Moçambique e noutros países africanos possam continuar a beneficiar deste setor vital.