Nuno Garcia, diretor-geral da GesConsult, acredita que os preços das casas não voltarão aos patamares anteriores à pandemia. A elevada procura, face à escassez da oferta, é a principal razão para a subida dos preços da habitação. Para Nuno Garcia o desafio vai além da disponibilidade de casas, envolvendo também os custos dos materiais para a renovação do envelhecido parque habitacional e a necessidade de atender às normas ambientais.
Em entrevista ao Empreendedor, Nuno Garcia explicou os desafios inerentes ao atual panorama da Habitação em Portugal, face ao crescente aumento de preços das casas para venda, mas também do agravamento das taxas de juro para as atuais hipotecas, como fontes de instabilidade e contestação social.
A GesConsult é uma empresa especializada na gestão e fiscalização de obras, oferecendo serviços abrangentes desde a fase inicial do projeto até a conclusão. Enquanto diretor-geral da empresa, Nuno Garcia lida de perto com a problemática do imobiliário.
Ao Empreendedor, Nuno Garcia explicou que a crise habitacional pode afetar a estabilidade social e económica das famílias, pois os encargos financeiros aumentam sem o aumento correspondente nos rendimentos. Medidas como a redução do IVA na construção e benefícios fiscais para a construção de novos edifícios, a custos controlados, poderiam ajudar a combater essa disparidade. Além disso, ele ressalta a importância de tornar as periferias opções viáveis, com infraestrutura de transporte e serviços adequados.
“A subida do preço das casas está diretamente relacionada com a baixa oferta para a procura existente, um problema que não é de agora, mas que se agravou. Verifica-se, em simultâneo, um aumento significativo das despesas nos orçamentos familiares, que a capacidade económica dos portugueses simplesmente não acompanha”.
A tudo isto acresce ainda o ambiente de incerteza gerado pelo período pandémico e pelo conflito em curso na Europa, com matérias-primas e mão-de-obra escassas, vendidas a preços recorde, o que encarece muito todo o processo que envolve disponibilizar mais casas no mercado”, explica Huno Garcia. Assim, “mesmo que venham baixar ligeiramente, os valores de mercado não voltarão a recuar ao contexto que tínhamos antes da pandemia.”
Impacto os preços das casas na estabilidade social e económica das famílias
Medidas como a redução do IVA aplicado à construção, o aumento da celeridade dos processos de licenciamento e o lançamento de benefícios fiscais para se construir a custos controlados seriam decisões positivas, na opinião de Nuno Garcia, para ajudar a combater uma relação que se verifica demasiado alta entre preço final por m2 e o rendimento das famílias.
“As famílias queixam-se, sobretudo, da subida dos seus créditos porque, de repente, viram os encargos financeiros aumentarem abruptamente, não havendo atualização dos rendimentos – antes cortes”, sublinha.
“A contestação social a que temos assistido ultimamente em torno do tema habitação é um reflexo disto: a inflação disparou e as prestações aos bancos acompanharam a trajetória. Parece-me, contudo, que ainda estamos longe de um cenário com a dimensão da crise do subprime, até porque existiram recentemente alguns anos de poupança que têm ajudado a mitigar o impacto que se está a sentir.”
A saída dos grandes centros urbanos para zonas da periferia é uma solução muito procurada por agregados familiares à procura de preços por m2 mais acessíveis, mas “para descomprimir verdadeiramente a procura nos centros é necessário tornar as periferias opções viáveis, com redes de transportes e serviços que permitam às pessoas habitar e deslocar-se facilmente, algo que ainda não é uma realidade”.
Medidas governamentais pouco viáveis para enfrentar a crise habitacional
Nuno Garcia não vê nas medidas do Governo respostas viáveis para a resolução destes desafios. “Pelo contrário. Para incentivar a construção temos de reduzir o custo da atividade, por via da baixa do IVA ou da isenção de algumas taxas que continuam a ter um peso muito grande no total das obras”.
“Também me parece francamente injusto o ataque ao Alojamento Local, que foi um grande impulsionador da construção e do investimento na reabilitação das nossas cidades. E pensemos que além dos mais desprotegidos, a construção deve contemplar a classe média em geral, para que se possa construir mais barato, gerar mais oferta, baixar preço e responder à procura”, defende.
“O Governo deve apontar o seu foco para a reabilitação dos imóveis do Estado, criando políticas de promoção ao investimento e desenvolvendo estratégias que permitam realmente a simplificação dos licenciamentos. A discussão de medidas como a concessão dos Vistos Gold e o arrendamento coercivo só contribuíram para gerar ruído e mais instabilidade.”
Nuno Garcia considera que é mais importante apoiar medidas de apoio aos mais desprotegidos, como a concessão do juro bonificado e o alargamento das políticas de direito à primeira habitação, como o Porta 65-Jovem.
“Além do desafio enorme que é o desequilíbrio atual e gerar disponibilidade de casas a preços comportáveis para uma procura muito superior, julgo que outro dos grandes desafios em mãos prende-se com o envelhecimento do parque habitacional das nossas cidades, frisa Nuno Garcia.
“Estamos muito pouco sintonizados com as novas diretrizes ambientais e com as metas que os países terão de satisfazer em prazos bastante ambiciosos” alerta, “se a descarbonização ainda não estiver consolidada, em 2030 ou 2040, o setor da construção irá estar aquém das expectativas”.