O Direito das Organizações Sociais

Há alguns anos escrevi um livro sobre o regime jurídico das fundações e, desde então, passei a receber mensagens e telefonemas de pessoas que querem criar fundações e pretendem a minha ajuda. Na esmagadora maioria dos casos trata-se de projetos que não têm a mais pequena viabilidade como fundações, desde logo porque não dispõem de património. Mais recentemente, desde que comecei a escrever o blog Inovação e Investimento Social, tenho recebido mensagens em que me colocam perguntas, muito diretas, sobre questões jurídicas complexas relativas à escolha do modelo jurídico adequado ao desenvolvimento de projetos de carácter social.

Para mim, o mais intrigante dessas questões é que são colocadas como se a resposta fosse simples e não exigisse, sequer, qualquer conhecimento acerca do problema para o qual pretendem ser a solução. Respondo a todas as mensagens que me enviam mas, na verdade, as minhas respostas não solucionam, nem podem solucionar, nenhuma das questões que me colocam e que necessitariam de uma análise cuidada e de uma apreciação adequada do ponto de vista técnico e jurídico. Parte do meu trabalho como advogada e consultora consiste, precisamente, em fazer essas análises e encontrar as soluções jurídicas para os problemas que os meus clientes me colocam.

Um blog, um livro ou uma conferência, não substitui uma consulta jurídica ou uma consultoria especializada sobre assuntos e problemas concretos, com que se debatem as instituições, sejam sociais ou outras. Aqui, o objetivo é permitir o acesso a uma informação genérica, a sensibilizar para determinadas questões e dar a conhecer as tendências e opiniões sobre assuntos específicos.

O regime jurídico das chamadas instituições do ‘terceiro setor’ ou de ‘economia social’ é complexo, desde logo porque envolve um conjunto de instituições muito diversas com os seus próprios regimes jurídicos. A Lei de Bases da Economia Social no seu artigo 4º diz-nos que integram a economia social as seguintes entidades:

  • As cooperativas;
  • As associações mutualistas;
  • As misericórdias;
  • As fundações;
  • As IPSS, não abrangidas pelo elenco de instituições acima referidas.

Este artigo 4º refere, ainda, outras instituições, em função do seu objeto ser social, cultural e desportivo, mas que, na verdade, ou são associações ou cooperativas.

Cada uma destas instituições tem uma identidade própria e um regime jurídico específico, pelo que saber qual o modelo mais adequado ao desenvolvimento de cada um dos projetos de carácter social a desenvolver depende da ponderação de vários factores.

Procurarei, ainda que em traços largos, estabelecer aquela que é a identidade de cada uma destas instituições, remetendo para uma análise mais detalhada do seu regime jurídico os aspectos relativos à sua constituição, organização e funcionamento.

Uma cooperativa é uma associação autónoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades económicas, sociais e culturais comuns, através de uma empresa de propriedade comum e democraticamente gerida. As cooperativas regem-se por um conjunto de valores económicos e de solidariedade que são os valores cooperativos e obedecem, no seu funcionamento aos princípios cooperativos. O Código Cooperativo estabelece o regime jurídico das cooperativas, complementado por legislação sobre setores específicos do cooperativismo.

As associações mutualistas são instituições particulares de solidariedade social (IPSS) com um número ilimitado de associados, capital indeterminado e duração indefinida que, essencialmente através da quotização dos seus associados, praticam, no interesse destes e de suas famílias, fins de auxílio recíproco, designadamente:

Concessão de benefícios de segurança social e de saúde destinados a reparar as consequências da verificação de factos contingentes relativos à vida e à saúde dos associados e seus familiares e a prevenir, na medida do possível, a verificação desses factos.

Outros fins de proteção social e de promoção da qualidade de vida, através da organização e gestão de equipamentos e serviços de apoio social, de outras obras sociais e de atividades que visem especialmente o desenvolvimento moral, intelectual, cultural e físico dos associados e suas famílias.

O Código das Associações Mutualistas é o diploma legal que estabelece as suas regras de constituição, funcionamento, princípios e áreas de atuação.

Uma associação é normalmente uma pessoa coletiva composta por pessoas singulares e/ou coletivas, sem finalidades lucrativas, agrupadas em torno de objetivos e necessidades comuns. O regime jurídico das associações encontra-se disperso por diversos diplomas legais, desde logo na Constituição da República e no Código Civil, mas, sobretudo, em diversos diplomas legais que regulam diversos tipos de associações, conforme os seus objetivos ou fins estatutários. Sobre a legislação das associações consultem a a CASES.

As irmandades da misericórdia ou santas casas da misericórdia são associações constituídas na ordem jurídica canónica com o objetivo de satisfazer carências sociais e de praticar atos de culto católico, de harmonia com o seu espírito tradicional, informado pelos princípios de doutrina e moral cristãs.

As irmandades associam leigos, animados pela mesma fé e unidos pelos mesmos objetivos de testemunharem em colegialidade uma caridade fraternalista, constituindo uma presença e uma força de esperança junto de todos os que precisam.

As misericórdias regem-se pelo direito canónico, mas como são IPSS estão ao abrigo do regime jurídico das IPSS.

As fundações são organizações sem fins lucrativos criadas por iniciativa de uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas (fundadores) para a gestão de uma massa patrimonial que lhe é cedida definitivamente pelos fundadores e que deve ser substancialmente preservada, para a satisfação de certas finalidades de interesse social. A lei quadro das fundações estabelece o regime jurídico das fundações em articulação com outros diplomas legais como seja o Código Civil.

As instituições particulares de solidariedade social (IPSS) podem ser cooperativas, associações mutualistas, misericórdias, associações e fundações. O estatuto especial de IPSS é definido em função dos objetivos prosseguidos, das suas específicas atividades e da especial relação que estabelecem com o Estado no âmbito da prestação de serviços de solidariedade social. Sobre o regime jurídico das IPSS já aqui escrevi.

Sobre estas questões do regime jurídico das instituições da economia social sugiro uma visita ao site da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES).

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