Se o paradigma da mulher executiva de medidas perfeitas, fato de marca e filofax recheado de reuniões de topo já não lhe diz grande coisa, talvez faça parte da nova geração de mulheres que abandonaram ou reciclaram o conceito yuppie dos anos 80. Hoje, a sociedade portuguesa está mais sensível à economia sustentável, às questões sociais e ambientais, e muitas mulheres deixaram de investir numa carreira típica, optando por um modo de vida diferente, que lhes permita conciliar carreira e rendimentos com uma vida pessoal. O sucesso é relativo e o happy está na moda.
Segundo um estudo da OCDE(*), as mulheres portuguesas demonstram substancialmente menor preferência para o auto-emprego do que os homens (ver figura). Na sua maioria, dificilmente tomam a decisão de iniciar o seu próprio negócio sem a existência de um factor de stress como uma situação de desemprego ou de súbita perda de rendimentos, a necessidade de escapar a condições de trabalho desfavoráveis, ou ainda discriminação salarial e na evolução na carreira. No entanto, o número de mulheres que decidem criar o seu próprio negócio tem vindo a aumentar em todo o mundo, e em Portugal também.
Numa década em que a crise acabou com muitos empregos, reduziu as remunerações e outros benefícios, tornou as condições de trabalho mais difíceis e obrigou trabalhadores a acumularem funções, muitas mulheres sentem que as compensações monetárias e de realização pessoal já não justificam o esforço de uma carreira tradicional. A possibilidade de dedicar mais tempo e atenção à organização da casa, à educação dos filhos (ver figura) ou a um projecto pessoal, bem como a oportunidade de desenvolverem as suas próprias ideias de negócio, constituem motivação adicional para enveredarem por caminhos menos habituais. Iniciar um projecto próprio permite-lhes desenvolver um negócio tirando partido das suas melhores competências e gerindo os seus horários, tarefas, objectivos, equipas, processos e modos de actuação com total independência, liberdade e flexibilidade.
O primeiro passo é descobrir a área de negócio que mais lhes convém. As mulheres estão a pegar no que mais lhes interessa e entusiasma, nas suas paixões, e começar a encará-lo como inspiração para um projecto rentável. Seja um pequeno negócio de tartes vendidas pelo Facebook, uma plantação agrícola com apoio da Comunidade Europeia ou uma empresa de prestação de serviços de saúde ao domicílio; seja de saia-casaco tradicional ou de jeans e botas de borracha; seja num pequeno escritório em casa ou num sistema de co-working, as mulheres portuguesas estão a arregaçar as mangas e a mudar as suas vidas.
Mas nem tudo é fácil. Trabalhar de forma mais flexível não significa trabalhar menos, antes pelo contrário, e há que assumir a responsabilidade de todas as decisões. Para além dos problemas que todos os empreendedores enfrentam, as mulheres empreendedoras parecem debater-se ainda com algumas dificuldades acrescidas.
Mais desvantagens, maiores desafiosnAo contrário do que acontece no resto da Europa, em Portugal as mulheres ainda têm mais dificuldade em obter crédito do que os homens. Ora, para arrancar com um negócio, é geralmente preciso algum investimento (embora alguns negócios, sobretudo online, possam começar como valores irrisórios). Pode haver alguma tendência para usar poupanças, empréstimos familiares e até cartões de crédito para obter este financiamento, muitas vezes por desconhecimento de soluções como os fundos europeus, capital de risco ou business angels. Felizmente, em Portugal já é fácil obter aconselhamento acerca destes temas. São muitas as entidades (ver mais à frente) que prestam apoio nesta área.
Outra tendência que se verifica é que as mulheres têm menos contacto com pessoas que podem ajudá-las a lançar os seus negócios do que os homens. Os lugares de topo das empresas são geralmente atribuídos a homens (há apenas 8,7% de mulheres em conselhos de administração de empresas em Portugal), e portanto são geralmente estes quem acumula a experiência e contactos nesta área (e nem sempre têm disponibilidade para os partilhar). É vantajoso construir uma rede de contactos ou networking que permita dispor de mentoria, referências, ajuda e informação realmente valiosa. Aproveitar os eventos que muitas instituições, movimentos e empresas estão a organizar, nos quais as pessoas estão mais disponíveis para dar e receber contactos, emprestar as suas competências e pedir ajuda.
Existe ainda o facto de as mulheres terem tradicionalmente maiores responsabilidades na gestão da casa e no apoio à família, nomeadamente às crianças e pessoas idosas. Se é verdade que o empreendedorismo permite uma maior flexibilidade na gestão do tempo, também é verdade que as mulheres empreendedoras estão geralmente mais sobrecarregadas com este tipo de tarefas. Porém, não há regra sem excepção e em muitos lares portugueses os homens, sobretudo os mais jovens, são agora parte integrante da ‘força de trabalho’ doméstica. E as mulheres, a quem muitos autores já apelidaram de ‘CEOs das suas casas’, valem-se da experiência adquirida – gestão do tempo, hábitos de produtividade, etc – para melhor se organizarem.
Este é apenas um exemplo de como as empreendedoras portuguesas estão a conseguir transformar as desvantagens em vantagens. Portugal está a ver nascer inúmeros projectos com as mais diversas dimensões e conceitos, nos quais as mulheres têm o papel principal. Mas esta é uma prova de fundo, uma maratona e só o tempo dirá quais os projectos que vingam e até que ponto serão mais as que desistem ou as que atingem o sucesso.
O sucesso é relativonO facto é que até o próprio conceito de sucesso está a mudar. Nos últimos anos diversos autores escreveram sobre a questão do insucesso, ou do fracasso, enquanto experiência positiva e surgiram até alguns eventos em torno desta temática. Tentar, falhar, melhorar e voltar a tentar faz parte do processo e há que controlar o medo de falhar. Ser empreendedor é aceitar um sistema de aprendizagem diária e contínua, para o qual a humildade é um factor essencial. Saber que nada se consegue sozinho, aceitar que podemos e devemos confessar as nossas fragilidades e pedir ajuda nas áreas em que as nossas competências são menos fortes são os factores que melhor distinguem a nova geração de empreendedores.
Ao contrário do conceito yuppie que confundia a imagem de sucesso – da roupa ao automóvel, passando pela atitude face aos colegas e à concorrência – com o próprio sucesso, a nova geração está a descobrir que há muitas formas de medir o seu êxito. Para muitas mulheres portuguesas, sucesso tem pouco a ver com dinheiro (embora ganhar dinheiro seja também importante!). É poder passar algumas horas por dia a brincar com os filhos, e deitá-los sem stress; é ganhar um novo cliente graças à própria inspiração e ao próprio esforço; ou sentir que a componente social do seu negócio está, de facto, a funcionar e que contribui para ajudar os outros. O empreendedorismo no feminino permite rentabilizar as diversas facetas da mulher. A valorização da diferença está na ordem do dia. De preferência, com felicidade.