Em todas as localidades portuguesas – e em todas esquinas – existe uma pastelaria, mas até agora não havia uma proposta de valor para o consumidor final que marcasse a diferença. Essas unidades assentam tipicamente em negócios familiares – com excelentes profissionais, diz o fundador da Padaria Portuguesa – mas absolutamente descaracterizados, com ambientes de azulejo e inox, onde ‘a marca do café paga o toldo, a marca de pizza paga a esplanada e os guardanapeiros são pagos pelas marcas do bar…’
A maior fragilidade é a falta de profissionalização do negócio. ‘Falta de profissionalização não quer dizer falta de profissionalismo’, sublinha Nuno Carvalho, ‘há excelentes profissionais, e muito empenhados’, o que falta é uma visão profissional para o negócio. ‘A maioria das pastelarias são negócios pouco organizados e familiares, onde o dono trabalha por três ou quatro colaboradores. É bom que ele não ‘largue o osso’ e empurre o negócio para a frente, mas são negócios que acabam numa geração’.
Outra fragilidade dos estabelecimentos de pastelaria tradicionais é a pouca diversidade na oferta. ‘São poucas as pastelarias na região de Lisboa que têm fabrico próprio porque é difícil gerir uma operação de fabrico. Normalmente funciona à noite, e fazer um bolo é muitas vezes um processo complexo que requer qualificação profissional’. Estas unidades funcionam com um número reduzido de colaboradores, por isso trocaram o fabrico próprio de produtos de pastelaria pelo negócio dos ‘almoços’, que é para muitos a principal fonte de receita. ‘É muito comum chegar pela manhã a um destes estabelecimentos e sentir o cheiro a refogado’.
Por estes motivos os criadores da marca Padaria Portuguesa acharam que fazia sentido desenvolver um projeto alternativo. ‘Achámos que havia espaço para criar uma marca a operar de forma global, profissionalizada e com fatores de diferenciação bem definidos’, mas suficientemente ampla para cobrir um público-alvo alargado. ‘Depois decidimos que o nosso negócio tinha de ser uma cadeia de lojas assente num serviço de elevados volumes e margem baixa, para tirar o maior partido possível do potencial do negócio’.
O conceito da Padaria Portuguesa assenta em três fatores de diferenciação nos quais trabalham numa base diária e intensiva. ‘Em primeiro lugar oferecemos ao consumidor uma relação qualidade/preço acima da média’. Isso significa que a Padaria Portuguesa procura oferecer um serviço e produtos com mais qualidade, sem cobrar mais por isso, garante Nuno Carvalho. ‘Repare, nós temos o produto ‘pequeno-almoço’ que custa 2,50 euros e ‘vale’ um sumo de laranja natural, espremido na altura e servido em copo grande, uma sanduiche que pode ser numa grande variedade de pães, ou produtos de massa brioche, com queijo, fiambre ou misto, e um café expresso do lote platina da Delta. Este preço de 2,50 euros é imbatível na cidade!’
Este é um dos produtos que mais caracteriza a proposta de valor do negócio Padaria Portuguesa, destaca Nuno Carvalho. ‘É também o nosso primeiro fator de diferenciação, mas percebemos que, para fazermos isto teríamos de ser também nós a gerir a atividade de produção’. Não foi um trabalho fácil desenvolver uma linha própria de produção de produtos de pastelaria, reconhece o fundador da Padaria Portuguesa. ‘ Começámos do zero, leigos na matéria, mas temos vindo a aprender e agora temos uma unidade de produção que tem elevados padrões de qualidade e eficiência’.
O modelo de negócio assenta nas lojas, onde cada loja é uma unidade autónoma do negócio, com a sua própria rentabilidade. Também a fábrica tem o mesmo conceito. ‘As lojas compram à fábrica o produto que colocam no mercado, assim são as lojas que executam o controlo de qualidade. Se, por exemplo, uma loja recebe pastéis de nata mais queimados do que deviam, devolve-os à fábrica. Esta prática contribuiu para que a unidade de produção tenha um controlo mais rigoroso dos produtos que fabrica’ explica Nuno Carvalho.
Apesar do rigor posto no controlo de qualidade e na eficiência do serviço, a Padaria Portuguesa não quer perder o cariz artesanal que caracteriza a marca, sublinha o fundador do projeto. ‘Os nossos produtos são todos feitos à mão, por isso têm aquele ar tosco, e é isso que queremos. Mas fazemos isso com uma gestão de tecnologia de ponta’.
Além da relação qualidade/preço, o conceito da marca assenta também na experiência de compra acima da média, quando comparada com as pastelarias tradicionais. ‘Nós quisemos que a marca estivesse associada à tradição portuguesa’, por isso foram rejeitados nomes estrangeiros para a marca. ‘Ao entrar na loja queremos que o cliente tenha, desde logo o contato com essa tradição, a começar pelo chão, em mosaico hidráulico, com um padrão antigo, as paredes em ardósia e os produtos expostos em cestas de vime’. Para reforçar a identidade nacional está também a escolha de uma playlist exclusivamente com músicas portuguesas.
Outra das estratégias para criar um ambiente de conforto passa pelo olfato, com o cheiro do pão quente e os aromas de bolos acabados de sair do forno. ‘Noventa por cento dos produtos de pastelaria e padaria vêm da fábrica em massa fresca e são terminados nos fornos das lojas. Isso empresta um cheiro característico à loja’. nAlém do cuidado em estimular sensorialmente os clientes, a estratégia da loja passa também por oferecer degustação de produtos em promoção. ‘As nossas equipas têm objetivos de vendas de determinados artigos por mês, e ao oferecer aos clientes pequenas porções desses artigos, destaca o produto e ajuda a vender mais’ salienta Nuno Carvalho. ‘Portanto, as nossas equipas e o nosso negócio estão preparados para que a experiencia de compra seja diferente e melhor do que aquilo que estamos habituados nas pastelarias tradicionais’.
O terceiro fator de diferenciação que também demarca o conceito Padaria Portuguesa da concorrência é o que Nuno Carvalho define como ‘fechar a relação com o cliente’, ou seja a fidelização. ‘Nós gostamos que a Padaria Portuguesa tenha um papel ativo nas comunidades locais, por isso nós estamos em bairros, e ter uma loja agradável no bairro é o ideal. Por isso procuramos estabelecer uma base de confiança onde, por exemplo, uma mãe possa deixar a chave de casa para o filho, numa das nossas lojas’.
Esse envolvimento com a comunidade passa também pelas associações locais que beneficiam das sobras do dia. ‘O nosso negócio tem desperdício. Nós temos a preocupação de ter os nossos expositores apresentáveis a qualquer hora do dia. Se fizer a experiencia de entrar numa pastelaria normal depois das três da tarde, provavelmente encontra um croquete e meia-dúzia de pastéis. Nas nossas lojas isso não acontece, mas claro, há sobras que depois são dadas a instituições locais, e esse é também um fator de diferenciação’.
A Padaria Portuguesa conta com 40 lojas, todas na região da Grande Lisboa, e pretende abrir até 2019 mais 30 lojas na capital e uma segunda fábrica, também na região de Lisboa. O negócio já movimenta 20 milhões de euros e tem cerca de 900 funcionários, mas até ao final deste ano deverá contratar mais 300. O projeto começou há cinco anos e meio, com capitais próprios: ‘Éramos dois sócios, investimos o nosso dinheiro e atirámo-nos de cabeça. Felizmente a coisa deu certo e a partir da quinta loja começámos a ficar com cash flow positivo, e desde então o negócio é financiado com o cash flow das lojas anteriores’.
A situação financeira é desafogada, destaca Nuno Carvalho, o que também constitui fator diferenciador, relativamente a outros negócios do setor. ‘Pagamos a tempo e horas aos nossos colaboradores, mas o que mais me orgulha é pagar a cada cinco dias aos nossos fornecedores. Quando se sabe dos atrasos nos pagamentos das empresas e até do próprio Estado, nós a cada cinco dias injetamos dinheiro na economia’. Para chegar a este nível, fundador da Padaria Portuguesa sublinha que foi necessário rigor na gestão ‘porque este é um negócio de tostões’.
E qual é o segredo do sucesso? Bem, para Nuno Carvalho são duas as grandes razões: o foco no cliente e a qualidade das equipas. ‘Nós observamos o que o consumidor quer, e vamos atrás de soluções’ explica. ‘Eu visito três a quatro lojas por dia para estar em contato permanente com os consumidores e colaboradores’, ‘quando vou à loja é mais numa lógica relacional para falar sobre o produto ou sobre a vendas’ já a atitude operacional fica a cargo da estrutura, onde cada loja tem um gerente e um subgerente; cada gerente reporta a um supervisor que tem a seu cargo um conjunto de seis lojas. Depois há um coordenador operacional para toda a estrutura.
O crescimento do negócio da Padaria Portuguesa coincidiu com a evolução da crise em Portugal. Coincidência que acabou por servir de oportunidades profissionais para colaboradores qualificados que não encontraram saídas profissionais nas suas áreas de formação. Muitos jovens licenciados em arquitetura ou engenharia, procuraram a Padaria Portuguesa pela necessidade de encontrar um emprego, e muitos deles hoje são já supervisores ou gerentes de loja. Favorecer a evolução profissional dos seus colaboradores é também uma razão para o sucesso da Padaria Portuguesa, segundo o fundador da empresa.